Ideologia

Meu partido
É um coração partido
E as ilusões estão todas perdidas
Os meus sonhos foram todos vendidos
Tão barato que eu nem acredito
Eu nem acredito
Que aquele garoto que ia mudar o mundo
(Mudar o mundo)
Frequenta agora as festas do "Grand Monde"
Meus heróis morreram de overdose
Meus inimigos estão no poder
Ideologia
Eu quero uma pra viver

Os versos fazem parte da música Ideologia, de Cazuza, cantor que morreu em 1990. Suas letras fazem, quase sempre, questionamentos sociais; provocam e, à época, eram taxadas de “rebeldes”. Sempre que leio algum texto que tenta explicar ou busca amparo no termo “ideologia”, lembro-me dessa música. O termo tem sido muito citado, sobretudo nas mídias sociais, para, na maior parte das vezes, para justificar posicionamentos políticos ou temas relacionados. O problema é que muitas pessoas pensam saber o que significa “ideologia” ou – quero acreditar pelo menos nisso – buscam fontes pouco confiáveis. O propósito deste pequeno texto é, então, clarear o conceito de “ideologia”.

De forma geral, o termo “ideologia” pode ser conceituado como um conjunto de ideias, pensamentos ou visões de mundo que o indivíduo (ou um grupo deles) tem. Nessa simplicidade é que moram as subjetividades. O que garante, por exemplo, que as ideias ou os pensamentos entre as pessoas sejam iguais? É bem provável que você saiba que existem opiniões bastante distintas até entre pessoas bem próximas. Assim, a “ideologia”, ou o conjunto de ideias que regem determinados comportamentos ou pensamentos, pode assumir diferentes significados.

O primeiro cidadão a utilizar o termo foi o filósofo francês Destutt de Tracy (1754-1836) num livro intitulado Elements d’idéologie (Elementos de ideologia, em português). Tracy não pensava muito diferente do conceito que encontramos hoje nos dicionários. Para ele, “ideologia” era algo que contribuiria para uma ciência da gênese das ideias, ou seja, algo que organizasse as ideias humanas às percepções sensoriais do mundo externo.

Sendo sempre muito importante e interessante observar a realidade da vida dos autores que elaboram conceitos ou ideias, saiba que Tracy viveu majoritariamente numa França pós-revolucionária, sendo, portanto, observador do amplo processo histórico que aboliu o Absolutismo Monárquico no país. Foi partidário de Napoleão até fazer a autocrítica de que o sujeito, após o Golpe do 18 de Brumário, havia se transformado naquilo que combatia.

Saltando um pouco no tempo, “ideologia” também foi fortemente utilizado por Comte no desenvolvimento do seu Positivismo. Na sua adequação, Comte conferiu mais dois significados à palavra: 1) “atividade filosófico-científica que estuda a formação das ideias a partir da observação das relações entre o corpo humano e o meio ambiente, tomando como ponto de partida as sensações; e 2) conjunto de ideias de uma época, tanto como ‘opinião geral’ quanto no sentido de elaboração teórica dos pensadores dessa época”. (CHAUÍ, s/d. pp. 25-26).

Reparem que mesmo com algumas sutis mudanças entre os conceitos, as ideias permanecem, em essência, as mesmas, ou seja, “ideologia” continua sendo tanto para Tracy quanto para Comte um conjunto de ordenações sociais que determinam “o acreditar” ou a crença.

Ainda mais à frente, Marx também dedicou tempo na sua crítica ao capitalismo para refletir sobre “ideologia”. Para ele, “ideologia” seria um “conjunto de ideias que procura ocultar a sua própria origem nos interesses sociais de um grupo particular da sociedade” (LÖWY, 1985 p. 12). Percebam que a análise de Marx se distingue das anteriores por colocar no campo do conceito um sistema de ideias que legitimaria o poder de um grupo econômico ou social. Assim, para Marx, existiria uma “ideologia” da classe dominante e outra da classe dominada. Os filósofos marxistas estabeleceram adaptações ao longo do tempo e, dessa forma, “ideologia” passou a significar “qualquer concepção da realidade social ou política, vinculada aos interesses de certas classes sociais particulares”. (idem)

Existem muitos outros conceitos adaptáveis a esse tema, mas, fora a análise, é importante pensar que é praticamente impossível imaginar o humano sem valores, sem visões, sem paixões ou sem vontades; em resumo, sem ideologia. É por isso que é extremamente desconfortável bancar a ideia de que ideologias sejam quantificáveis. É fato, porém, que a História está repleta de casos onde determinados valores e ideias nefastas ganharam campo e eco (a ideologia fascista, por exemplo).

Paulo Freire, educador, sintetiza e finaliza bem essa polêmica. Dizia ele que “Não existe imparcialidade. Todos somos orientados por uma base ideológica. A questão é: a sua base ideológica é inclusiva ou excludente?”

Referências:

CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, s/d.
LÖWY, Michel. Ideologia e ciência social. São Paulo: Cortez, 1985.

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